É possível conciliar namoro com games?

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Quem namora sabe que relacionamentos exigem dedicação dos dois lados. Enquanto é possível demorar semanas (ou até meses, em alguns casos) para rever alguns amigos sem que a amizade seja abalada, é difícil fazer o mesmo com uma namorada sem ganhar o temido prefixo “ex”. Assim, todos que começam a namorar percebem que é difícil manter a rotina de solteiro. Isso não é necessariamente ruim, lembrando que namorar alguém é estar ao lado da pessoa amada. Algo bom, não é mesmo? No entanto, como dito anteriormente, relacionamentos exigem dedicação. Não são raras as brigas ocasionadas porque alguém se dedica mais a uma atividade do que ao namoro. Mas e quando essa atividade é o video game? Assim como em outros casos, ninguém é perdoado pela falta de atenção. Até o aclamado produtor Peter Molyneux, famoso por ter criado a franquia Fable, já sofreu as consequências por se esquecer do mundo enquanto jogava. Em uma entrevista a um site internacional, o produtor afirmou que nos anos 80 per

O que e um NAMORO?

Pra você, o que constitui um namoro? Prioridade? Apresentar à família? Passar os fins de semana juntos? Conviver com os amigos um do outro? Exclusividade sexual? Exclusividade emocional? Fazer planos?
As perspectivas individuais sobre o que constitui um namoro variam. É inegável, no entanto, que há uma expectativa social clara quanto a forma que um relacionamento deve ter. No senso comum, namoros são como ensaios para o espetáculo final: duas pessoas de gêneros diferentes, casadas, exclusivas sexual e emocionalmente, e com filhos. Qualquer coisa que fuja a isso (pessoas do mesmo gênero, pessoas trans, casais sem filhos, mães solteiras, trisais, casamento aberto etc.), é marginalizada e julgada em maior ou menor grau, em diferentes contextos.
O modelo referencial existe, como uma meta coletiva, e crescemos sendo ensinados que é isso que queremos. É um discurso tão repetido que acaba sendo naturalizado, isto é, ganha aparência de que é assim que as coisas são ou deveriam ser e nós nos acostumamos a não questionar. Com isso em mente, construímos nossas relações buscando um encaixe no modelo. O que acontece, então, se um dia você descobre que simplesmente não quer o modelo? Que aquilo que te disseram que é incrível e que é óbvio que você quer, na verdade você não acha tão legal assim e talvez prefira outras coisas? É possível viver uma relação amorosa totalmente fora dos padrões? É possível ser feliz assim? E, se escolho me relacionar fora dos padrões, como é que sei se estou ou não namorando, se sou ou não amada? O que é um relacionamento amoroso?

A gramática dos relacionamentos

Existe uma matriz de inteligibilidade dos relacionamentos, isto é, o que se entende como relacionamento ou não. Essa matriz é comunicada e perpetuada por meio de rótulos, com poucas variações. Se te digo em uma conversa informal que sou solteira, você vai entender que não tenho compromisso assumido com ninguém. Caso eu diga o mesmo em uma entrevista de emprego, fica subentendido que estou me referindo ao meu estado civil (solteira = não casada) e, naquele contexto, pouco importa se namoro alguém ou não. A sociedade nos classifica pelo estado civil (solteiro, casado, divorciado, viúvo), isto é, pelas relações amorosas que estabelecemos — amorosas apenas porque vivemos em um contexto sócio-histórico no qual o casamento se dá por amor, mas o que está em jogo aqui é formação de família.
Em contextos informais, se digo que estou namorando, uma série de pressuposições serão criadas em torno disso. Você provavelmente vai estranhar se me vir no Tinder e, se eu aparecer no seu aniversário sozinha, você provavelmente vai me perguntar onde está o Fulano e, depois de diversos eventos sociais nos quais eu aparecer sozinha, você vai começar a comentar que esse cara não está nem aí pra mim. Isso acontece porque rótulos carregam expectativas sociais e também pessoais, alimentadas pelo social. Pode ser que, depois de tanto ouvir estranhamentos quanto à minha relação, eu mesma comece a duvidar da minha satisfação nela e comece a fazer cobranças de coisas que na verdade nem são importantes para mim.
Graças à carga semântica e às expectativas que já vêm acopladas aos rótulos, nem sempre é fácil nomear uma relação que está fora do padrão.Seguindo no exemplo, ao dizer que estou namorando, teria que te explicar que é uma relação livre, pra você não estranhar caso me veja no Tinder. E aí você não saberia o que esperar e provavelmente me encheria de perguntas: Mas vocês podem sair com qualquer outra pessoa? Você não sente ciúme? Ele não sente ciúme? Você não tem medo de se apaixonar? E se você for trocada? O que você faz quando ele sai com outra? É também provável que você não me encha de perguntas, mas crie uma série de outras pressuposições comuns decorrentes do preconceito quanto a tudo que foge do padrão: Não é um relacionamento sério. Eles não devem estar apaixonados de verdade. Que triste ela se sujeitar a ser traída assim, coitada. E por aí vai.
A grande questão aqui é que vivemos em uma sociedade que naturaliza o sistema monogâmico e tudo que ele envolve, e por isso todas as nomenclaturas para relacionamentos se referem a ele. Temos pouquíssimos termos para relações fora do modelo, justamente porque elas não seguem um modelo. E, quando não nos relacionamos da maneira padrão, mas usamos os rótulos padrão para nos descrever, eles são apenas aproximados, para que nossas relações sejam inteligíveis para a sociedade.

A escada rolante dos relacionamentos

Dentro do padrão social sobre como relacionamentos são ou devem ser, há também uma expectativa de ascensão. A relação começa casual, evolui para namoro, evolui para noivado e evolui para casamento. Isso é o que se chama de a escada rolante dos relacionamentos (o termo original em inglês é “the relationship escalator” e estou traduzindo diretamente aqui).
Nos ensinam que, quanto mais alto se está nessa escada rolante, mais forte é o sentimento e o compromisso entre o casal, e avança-se nessa escada rolante por meio de marcos do relacionamento. Alguns marcos comuns: morar junto, dividir as contas, dizer que ama, trocar alianças, comemorar aniversário de relacionamento, etc. Esses são os guias que a sociedade usa e nos ensina a usar para medir o quão profunda é a relação.
Outra característica intrínseca da escada rolante dos relacionamentos é que você não pode descer, ou seja, não pode voltar atrás. Por exemplo, se você vai morar junto com a pessoa e isso não dá certo, a consequência é a separação, e não voltar cada uma a morar no seu lugar. As reconfigurações da relação são sempre no intuito de evoluir, ascender. Também não pode ficar parado. Muito tempo namorando sem casar e as pessoas começam a comentar que tem algo errado.

Por que buscamos rótulos

  1. A sociedade cobra. Para viver em sociedade, precisamos de certa forma nos encaixar na matriz de inteligibilidade, o que inclui a escada rolante e seus marcos. Temos que dar satisfação para os outros sobre nossas relações amorosas e é muito difícil explicar para a família e até para amigos uma relação que fuja à matriz. Sendo assim, é comum nos rendermos a rótulos aproximados para não sermos vistos como ETs e não termos que ficar explicando nossas relações o tempo todo. São os rótulos que tornam nossas relações inteligíveis.
  2. Rótulos e marcos transmitem ilusão de segurança. Sabe aquele momento em que você já está saindo com a pessoa há um tempo e começa a se sentir insegura/o porque ainda não oficializou namoro? Somos socializadas/os para achar que tem algo errado aí, mesmo que a relação esteja incrível. A pressão social para nos encaixarmos na matriz nos faz às vezes buscar coisas que nem queremos; os outros insistem tanto que nossa maneira de se relacionar não está certa, que acabamos duvidando de nós mesmas/os. Até em relações não monogâmicas, também existe bastante essa expectativa de se assumir como um casal e ter marcos socialmente aceitos (postar fotos juntos, mudar status no Facebook, casar etc.) para mostrar à sociedade e assegurar a nós mesmos/as de que temos alguém do lado. É como se, a partir do momento em que passamos a chamar a pessoa de namorado/a, fosse mais difícil ela/e ir embora. Analisando friamente, temos que admitir que isso é uma ilusão. Pessoas podem mudar de ideia, perder o interesse e ir embora a qualquer momento. Chamar de namoro não garante nem segura nada.
  3. Confundimos rótulos e marcos com os significados socialmente atribuídos a eles. O que buscamos quando queremos um relacionamento? Amor, companheirismo, cuidado, atenção, compromisso…? Somos ensinados que namorar sério e casar é prova disso tudo. Sabemos, no entanto, que na realidade não é bem assim. O que mais tem por aí é casal que se trata mal, que nem se gosta, que vive deixando na mão… E quem não conhece aquele casal que vive em pé de guerra mas posta fotos lindas no Instagram? Muitas vezes, buscamos os rótulos e criamos os marcos porque inocentemente acreditamos que eles nos trarão esses significados que tanto desejamos. Acontece que, ao contrário do que nos ensinaram, a) nem os rótulos nem os marcos carregam necessariamente esses significados; b) é possível ter os significados sem os rótulos e c) a concomitância de rótulos e significados é pura sortepois não há qualquer ligação entre uma coisa e outraSe sua relação não tem os significados, não é o rótulo que vai trazê-los.

Saindo da escada rolante

Uma nova gramática para relacionamentos

Fora da matriz, ainda não temos nomenclatura ampla o suficiente para dar conta da multitude de arranjos possíveis. Falamos de relacionamento aberto, relação livre, poliamor etc., mas esses termos não só não abarcam tudo que existe, como também são adaptáveis à realidade e às preferências de cada um (tipo o sanduíche do Subway que já comentei no texto Liberdade, piranhice (não) monogamia e hipocrisia). Nos resta usar rótulos aproximados ou não usar rótulos.
Quanto aos marcos, se não seguimos a escada rolante, não podemos contar com aqueles que já são estabelecidos para avaliar a profundidade do nosso relacionamento. Como avaliar então? Ora, você que sabe. Quando escolhemos não seguir a norma padrão, precisamos trabalhar muito bem nosso autoconhecimento. Pergunte a si mesma/o: O que eu busco num relacionamento amoroso? O que é importante pra mim? O que não quero de jeito nenhum? O que me satisfaz?
Respondendo perguntas desse tipo e dialogando com a(s) pessoa(s) envolvida(s) é que se sabe o quão forte é ou está se tornando o vínculo. Por exemplo, pode ser que para você não signifique nada apresentar à família, mas pode ser que para a outra pessoa isso seja um marco importante. Desse modo, se a pessoa te apresentar à família, você pode entender aquilo como um sinal de envolvimento maior. Enquanto isso, para avaliar o seu grau de envolvimento, a pessoa vai precisar utilizar algo que saiba ser importante para você — o que não é necessariamente o mesmo marco. Dito isso, você não precisa rejeitar todos os marcos comuns. A ideia aqui é avaliar com quais você se identifica e quer pra você e quais você gostaria de excluir ou incluir.

Jogando as gramáticas no lixo

É também possível rejeitar totalmente os rótulos, os termos e os marcos e se relacionar de forma anárquica. Trata-se de uma recusa total do que é determinado pelo Estado e pela Igreja sobre relacionamentos amorosos (a matriz de inteligibilidade com seus rótulos e a escada rolante com seus marcos). Relações anárquicas (o que, ok, por si só já é um rótulo, mas tem como premissa rejeitar rótulos e suas bagagens) priorizam a autonomia.
Gosto da ideia de indivíduos autônomos passando tempo juntos porque curtem a companhia um do outro e se relacionando sexualmente porque sentem desejo um pelo outro e deixando tudo simplesmente acontecer conforme for, sem nada de “vida de casal” e sem dar satisfação à sociedade. Muita gente acha que isso é 100% utópico, porque sempre haverão expectativas, mágoas e mudanças. Acredito, no entanto, que se relacionar de forma anárquica engloba diálogo, humildade de reconhecer que todo mundo erra e pode acabar (se) magoando, possibilidade de reconfiguração conforme as coisas forem acontecendo e aceitação de que cada um é responsável por suas próprias escolhas.
Essa relação talvez se assemelhe com o que monogâmicos chamam de amizade colorida. A diferença está na maneira como se enxerga a relação. Uma pessoa monogâmica vai se relacionar dessa forma enquanto não encontra alguém por quem se apaixone de verdade e comece a namorar oficialmente. Uma pessoa não monogâmica anárquica vai se relacionar dessa forma, mesmo estando muito envolvida emocionalmente, pois a configuração livre dessa relação não tem nada a ver com falta de sentimento ou consideração. Sendo assim, não acho que seja utópico, mas acho que é muito difícil encontrar alguém que tenha a mesma filosofia sobre relacionamentos e que esteja em sintonia com o que a gente sente e quer.

E os manipuladores?

Sempre vai ter um infeliz pra vir com aquele papo de “não acredito em rótulos”“pra que definir, tá tão bom assim” como desculpa pra não ter nenhum cuidado e consideração com seus sentimentos e depois sumir sem uma conversa porque “a gente não tinha nada”Esse texto não é a favor de rejeitar rótulos como forma de se livrar de envolvimento afetivo e responsabilidades. Esse texto é sobre reconhecer a carga semântica dos rótulos, questionar o que nos agrada e desagrada neles, autoconhecimento e fazer escolhas satisfatórias para as próprias relações. E isso requer constante diálogo e muita honestidade.
Faça escolhas sempre por você. Não deixe mandarem na sua relação — seja dentro ou fora dela. A relação é sua e você decide o que dá sentido a ela. O que é um namoro pra você?

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